Aliado


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conrado
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3 years, 6 months ago
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Durante uma briga de bar, dois heróis se encontram e decidem lutar lado a lado.

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   O inverno de Brittania parecia não incomodar os festeiros clientes do bar Orvalho Gélido. O vento, apesar de bater incansavelmente na porta, não fora convidado para entrar. A entrada era permitida apenas para forasteiros, errantes e cidadãos locais, ou para qualquer outro ser que precisasse descansar após um dia cansativo.

    O cheiro da comida quentinha circulava por entre as narinas de todos os clientes agitados. Alguns deles, famintos, rezavam para que seu prato fosse o próximo a ser entregue pelo garçom. Os outros chegavam a discutir com o dono do local, alegando que esperavam por sua comida muito mais tempo do que deveriam. O velho kobold, em sua defesa, respondia a eles:

    — O dia hoje está agitado, meus funcionários e eu estamos fazendo o melhor que podemos!

    Em um determinado momento, um draconato enfurecido se revoltou.

    — Você acha que está tendo um dia agitado? Sério? Eu tive que lutar contra ladrõezinhos estúpidos para conseguir garantir a marmita de hoje, e o máximo que você faz é me dizer que tá tendo um diazinho ruim?

    — Senhor, mil perdões, eu não tenho controle sobre esta demora. Nós estamos fazendo nosso melhor, eu juro!

    O draconato levantou-se da mesa e segurou o dono do estabelecimento, erguendo-o no ar a mais de um metro de altura.

    — É melhor a minha comida chegar na mesa nos próximos três minutos, ou a comida vai ser você!

    Todo o bar se agitou, comemorando o feito do caçador de recompensas. Alguns gritavam palavras de apoio, dizendo que era isso que o pobre kobold merecia. Outros apenas urravam em alegria. Algumas pessoas arremessaram suas canecas de cerveja para o alto, fazendo com que o chão do bar ficasse envernizado com álcool.

    Ambos os homens envolvidos no conflito estavam atentos aos arredores. Para o draconato, aquilo era uma vitória, um sinal de apoio e concordância entre os clientes e ele. Para o kobold, simbolizava pânico: todos os clientes achavam que o bar era ruim, o que ele faria?

    — Quem aí quer carne de lagartixa? – o mais alto disse, atiçando todos os que estavam presentes.

    Para a surpresa de todos, uma criatura gritou:

    — Você não vai fazer nada contra este pobre senhor – uma voz reconfortante disse ao fundo do bar, chamando toda a atenção para si. Era um pequeno corgyn no auge da terceira idade.

    O draconato riu.

    — Todo mundo aqui tá irritado com ele. Todo mundo aqui quer que ele sofra as consequências. Por qu….

    — Eu disse que você não vai fazer nada contra este pobre senhor – o idoso respondeu, indo em direção ao homem que enfrentava. Apesar de velho, não andava lento, nem torto, nem mancando, nem era corcunda. Estava ereto, com a cabeça erguida, e andando em passos leves e determinados em direção à intriga. – Por favor, coloque-o no chão.

    O bar estava silencioso. Ouvia-se apenas a respiração de todos, o barulho dos trabalhadores na cozinha, o vento uivando no exterior da instalação e o andar do pequeno corgyn.

    O draconato riu.

    — Tá certo, carinha – o kobold foi colocado no chão, e correu para a sala privada apenas a funcionários. – É em você que eu tenho que descontar o ódio de todos aqui, então?

    — Não – uma terceira voz se manifestou, de não muito longe. Era uma voz grossa, estridente. Contrastava com a voz mansa do velho senhor. – É em mim.

    — Aparece aí então, mané – o caçador de recompensas sacou uma espada, preparado para lutar.

    O dono da voz misteriosa atendeu ao pedido e levantou-se de sua mesa. Era um homem tão alto quanto o draconato, vestia uma armadura esmeralda pesada e levemente gasta. Se aproximava de seu oponente, com passos pesados e tão estrondosos quanto sua voz.

    — É o seguinte, camaradas, eu já lutei contra mais de 4 pessoas ao mesmo tempo antes, eu não vou ter problema em acabar com vocês dois. É melhor vocês saírem desse bar agora, antes que....

    — Você não ganha da gente nem se a gente lutar desarmado – o grande homem provocou, mas não estava para brincadeiras. Nem ele, nem seu aliado empunhavam objetos que poderiam servir como arma. E, de fato, botava muita fé em sua dupla.

    — Vamos ver então!

    O draconato avançou primeiro no corgyn, julgando que seria um alvo fácil. Ele não contava com a rapidez e os instintos do outro oponente, que se colocou na frente do ataque e tentou combater-lhe mano a mano. Segurou os pulsos do caçador de recompensas e impediu o golpe, deixando-o sem condições de usar a espada. Os dois começaram, então, a trocar chutes: enquanto um tentava se soltar, o outro tentava imobilizar seu adversário por meio da dor.

    A pequena briga entre eles deu uma pequena abertura para o senhor de idade atacar. Ele aproveitou a brecha para transformar-se em um feroz lobo cinzento. Uma mordida na canela do draconato foi o suficiente para ajudar seu aliado, que desferiu um soco no oponente, forte o suficiente para desmaiá-lo.

    O corpo desacordado caiu no chão igual a um saco de areia. O bar tremia de tantas palmas e gritos vindos dos clientes – no fim, uma boa intriga era tudo o que eles queriam; não importava se a vítima era o dono do bar ou o draconato enfurecido.

    O kobold saiu dos fundos do estabelecimento e agradeceu de joelhos ao velho corgyn, que disse incansavelmente que tudo estava bem. Funcionários saíram da cozinha para retirar o corpo e passar pano no chão molhado com cerveja. Não tardou até que as comidas voltassem a circular pelo bar.

    O homem armadurado se retirou do bar sem nem chamar atenção. Não disse nada, não conversou com ninguém. Apenas sacou seus pertences e seguiu seu caminho por entre a neve. Não tardou até que ele fosse interrompido.

    — Lutou bem hoje, campeão – a mesma voz terna de mais cedo lhe atingiu. Quando ele olhou para o lado, encontrou o mesmo velho corgyn que lhe ajudara a lutar contra o draconato.

    — O que você está fazendo aqui?

    — Seguindo meu caminho.

    Fez-se silêncio por um tempo.

    — Para onde você vai?

    — Eu preciso encontrar alguém. Estou indo para Wulvenhein.

    — Oh, também estou procurando por uma pessoa. Se importa se eu lhe acompanhar?

    Silêncio novamente.

    — Vamos nessa.

    O corgyn sorriu e encheu o peito, satisfeito. Talvez seu novo aliado não fosse a pessoa que ele precisasse achar, mas tinha certeza que ele seria útil em sua busca. Tinha certeza que ele próprio seria útil na caçada do outro.

    — Qual o seu nome, meu caro?

    — Meu nome é Vergil.

    — Muito prazer, Vergil. Eu sou Gregory.