Produtos da Guerra.


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NeoError
Published
1 year, 11 months ago
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Explicit Violence
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Dalila Stark ~

Nunca pedi para nascer... Muito pelo contrário. Se os deuses pudessem me ouvir naquela hora saberiam que não deveriam dar a benção a aquele casal... Mas eles não podiam, naquela hora ninguém podia me ouvir e me salvar do que viria.

Eu sempre fui um bebê lindo. As feições iguais de minha mãe. Um bebê doce e inocente no qual apenas o pequeno mundo dentro daquele bordel importava.

O bordel Rapture. Cresci em Rapture ao lado do doce sorriso de minha mãe e das palavras melódicas de meu pai. Eles eram meu mundo. Costumava me esconder atrás das cortinas do espetáculo para assistir mamãe cantando as músicas românticas que papai tanto gostava; ela com seu vestido longo e o coração nas mãos e ele me segurando, mesmo que chorando com o sentimento que cada timbre fazia-o sentir.

Logo aos dez anos meus pais receberam a segunda benção para um irmão para mim... Uma benção não utilizada. Não utilizada por minha culpa. Naquela manhã me mantive no bordel com o único bartender que havia virado a noite ali. Era um local calmo e seguro, eu havia crescido naquele bairro e todos me conheciam, entendiam a importância da pequena Dalila para a família Stark, comentavam na cidade inteira em como eu era a alegria para aqueles que necessitava... Mas não aquele homem. Todas as palavras. O carinho no rosto e a promessa de que iria me mostrar como ele trabalhava.... Claro, eu era madura para minha idade, mas ainda era uma criança. Você sabia a diferença, Entre o certo e o errado, E mesmo assim o fez.

Quando voltei aos meus sentidos minha mãe me segurava no colo. Meu corpo doía, minha barriga doía... Não, não era minha barriga... Era mais para dentro. Minhas roupas estavam cobertas por um sangue que não era meu, e minhas coxas pelo meu próprio sangue. Ela chorava enquanto eu observava uma faca de gelo em minha mão... Eu não tinha feito aquilo, tinha...? Aquele corpo sem vida com demasiadas facadas em seu estômago... Não consegui levantar para checar o que havia acontecido, apenas sabia que o homem havia me tocado, e eu me defendi. Mas como me defendi? Eu não lembrava meu próprio nome.

Ele mereceu. Ele sabia o que viria. Ele sabia desde que me tocou. Eu não fiz nada, mas se eu tivesse feito, como pode me dizer que estou errada? Foi um assassinato, mas não um crime.

Após o acontecimento minha mãe passou alguns anos focada em minha educação. Papai adoeceu e logo faleceu, precisando com que mamãe encontrasse outra pessoa para que ajudasse ela a se manter no bordel... E daquele novo homem, ela ficou grávida outra vez.

E eu não prestei atenção no mundo desabando ao meu redor. Já havia desabado para mim desde os meus dez anos. Desabou várias e várias vezes, mas sempre se reconstruia novamente pela manhã, me fazendo acordar com um sorriso no rosto, pronta para dançar perante a vários homens que facilmente teriam aquela faca de gelo em sua garganta e me dariam o sabor daquela sensação novamente. Todo dia era a mesma rotina. Se eu relaxasse meu corpo, eu desabaria. Sempre vivi assim e acabou sendo a única forma que sei de viver. Se eu relaxasse meu corpo por um segundo sequer na frente de todos aqueles porcos, eu não encontraria meu caminho de volta. Eu iria despedaçar e cada pedaço iria terminar na cama com um deles. E eu esqueceria meu nome outra vez.

• • •

Celine Stark ~

Nasci já entendendo o que era a perda. Mamãe estava demasiada exausta, pondo um fim a sua própria vida assim que vim ao mundo. Dalila, minha irmã mais velha, cuidou de mim por muitos anos. Me ensinou a ler e escrever, sempre me mostrou o básico e o complexo em cada ação que aprendi, e continuou desse jeito por vários anos.

Meu pai havia nos deixado, apenas voltava bêbado toda noite, levantando a mão pronto para que bater mais uma vez... Eu aceitei. Tinha que aceitar. Aprendi desde jovem a usar remédios para que Dalila dormisse e não tivesse a chance de aceitar a punição por mim... Eu estava sendo punida pelo que? Na primeira vez que a pergunta veio na minha cabeça eu encarei aquele homem. Os olhos vermelhos de tanto álcool... Eu possuía a mesma aparência que aquele monstro, mesmo sendo um anjo. Porém ninguém nunca espera que um anjo incendeie o mundo todo.

Digamos que eu e meu pai seguimos caminhos diferentes por causa de nossos pensamentos... Ele se via vivo, e eu, via ele morto. Foi aí que agarrei o castiçal, derrubando as velas no tapete. Papai sem querer bateu a cabeça na parte mais pesada do castiçal... Ele bateu a cabeça dez vezes e só revidou gritando enquanto o fogo consumia seu corpo nojento. Dalila acordou com os gritos altos, correndo até a sala e me vendo com o líquido viscoso, o castiçal e o tapete em chamas. Por algum motivo ela entendeu na mesma hora o que havia acontecido. Dalila apenas me puxou para trás e abriu as janelas, tendo certeza de que o ar não nos sufocaria. Assisti a mais velha colocando diversos panos molhados para que o fogo não se espalhasse, ainda com o cheiro fresco de sangue e pele queimada.

No dia que meu pai se foi e Dalila escondeu sua morte foi o dia que percebi que nunca conseguiria conhecer alguém na minha vida que esteja no mesmo sentimento que eu. Eu quero compartilhar minha intensidade com os outros e nos conectar de uma forma poética e impensável.

Na manhã seguinte, Dalila me disse que era isso que nós éramos: produtos da guerra de pessoas doentias. Mas eu discordei. Dalila tinha passado por muito mais do que eu, ela era mandona e cínica... Mas não éramos produtos de guerras... Nós somos o começo de um amor inevitável.