Stomach


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glittergala
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1 year, 4 months ago
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"monologo interno" levado ao próximo nível. || "internal monologue" taken to the next level. [eng] / [pt-br]

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Author's Notes

ainda vou expandir no diálogo mas por enquanto acho que funciona mesmo desse jeito??

[pt-br]


Quando Nova abre os olhos, ele se depara com nada além de um preto em constante expansão;  sombras rastejando em espaço vazio e fazendo até a solidão parecer pesada ao redor de sua alma.

É um tipo estranho de escuridão também. Há um peso nela, que empurra a boca do estômago de Dakota, sussurrando uma promessa indelicada de extensão infinita. Como se ele estivesse sob o céu escuro da noite, e as estrelas sido roubadas e escondidas por algo ou alguém.

O estômago de Dakota revira e seus músculos ficam tensos.

(Nenhuma delas parecia ser a melhor opção.)

Não havia necessidade de se aprofundar na teoria;  a ausência de qualquer coisa já era uma praga como era, ele não precisava disso, também, para corroer sua sanidade restante.

Ele pisca ao redor dele, cada vibração nervosa de seus cílios um lembrete sólido de como ele agradecia a sua herança dracônica pelo menor sinal de visão que tinha – não importa o quão consciente a cor embaçada de seu corpo (e nada mais) em meio ao mais profundo nada o fizesse.

A boca de Dakota começa a secar, e ele cautelosamente mergulha a ponta da língua nos lábios. Seus pés o carregam por uma extensão de escuridão, passo após passo cauteloso colocado em um chão que se misturava com o quase-céu e fazia o cuspe em sua boca ficar azedo de desconforto. Nova se sentia como um bezerro recém-nascido, com pernas instáveis e movimentos inseguros, pronto para dar o próximo passo e não encontrar nada sob seus pés enquanto é engolido pelo predador que espreita.  Isso não acontece, no entanto, como ele é consistentemente comprovado a cada passo.

O homem faz uma careta. Ele não percebe nada de consciência lá, exceto ele, e a única outra informação que ele pode reunir de onde quer que esteja preso é o muito sólido, muito interminável chão.  É bom, de certa forma, ele pensa.  Embora ele esteja preso no vazio, pelo menos não estava sujeito a flutuar para sempre sem lugar algum onde realmente chegar; ele também não tem lugar algum aqui, mas no mínimo há a escolha de onde suas pernas o levarão.

Ou, bem, a ilusão de escolha, de qualquer maneira, quando todos os lugares parecem e sentem ser exatamente o mesmo.

Sua testa franze.  Como ele chegou aqui, onde quer que "aqui" fosse?  Vagas lembranças do que ele supõe ser o dia anterior voam para sua mente, mas assim que Dakota se vê começando a atormentar sua mente por ecos tensos de memória, ele está congelando.

Algo no ar muda.  Fica pesado.  Seu estômago revira e cai e puxa com força sua garganta, o faz esquecer como respirar.  Seu coração aperta uma, duas, três vezes, então começa um ritmo rápido ao mesmo tempo que a escuridão ao redor começa a chamuscar e vibrar, batendo junto com o estrondo que rasteja no chão e depois cresce em seu corpo da sola dos pés.

Ao longe, alguma coisa ruge, alto, feroz e faminta – pelo quê, Nova não sabe;  mas ele sabe que está lá, a fome.

Ele está mais do que familiarizado com o som de bestas famintas.

Parece que sua avaliação anterior de estar sozinho neste bolsão de escuridão estava errada.

Suas pernas ficam um pouco menos estáveis, seus ombros tensos, e sua pele formigando e coçando e oh,

Ele não está sozinho.

As sombras parecem se enrolar ainda mais ao redor de Nova enquanto ele tenta olhar e forçar sua visão para localizar seu companheiro – mas isso não ajuda.  Ele não consegue ver nada além de uma escuridão pesada e cheia de tensão;  onde, não fosse a visão de seu próprio corpo ao olhar para baixo, ele se julgaria cego.

Mas ele tem certeza de que está lá, não importa se seus olhos falham. O zumbido em sua mente é alto demais para ser ignorado.  Em algum lugar.

Então, como trepadeiras cobertas de espinhos apertando suas pernas no lugar, vem o som novamente – e desta vez, como se estivesse engasgando com veneno, ele borbulha e atinge notas mais altas e o fantasma do humor bagunça o cabelo de Nova como o vento quente do verão.  Aquilo ri, pútrido e além dos sonhos mais loucos do homem do que deveria ser classificado como riso. Por mais pastoso e estridente que seja, no entanto, soa como uma risada. Como os contos de todas as divindades onipotentes e oniscientes, que se deliciam com a miséria e as ações tolas de seres inferiores como os humanos.

Dakota se sente puxada pelo som disso; seus músculos estão retesados e estáticos e oh, oh, como ele está perto de rebentar como os acordes de um alaúde.

Então, ele ouve,

"Relaxe. Por que tão tenso?", a mesma entonação gutural infundida em todas as palavras e frases coerentes que não deveriam estar ali.

(Ao lado do que mal poderia ser chamado de voz, soa laçado o som de snap, snap, snap, rompendo por seus ouvidos.)

Dakota estremece. Sua mente coça, estática correndo através de seu cérebro, e ele sente vontade de abrir seu crânio ali mesmo e enfiar os dedos dentro; agarrar algo antes que tudo derreta.

Não tem como isso ser real. Há algo que ele não consegue identificar nos ecos que se espalham pelo espaço aberto que apenas faz tudo parecer como se tivesse saído de um sonho febril. Nada disso parecia real. Não podia ser.

Ainda assim, monstros e deuses e entidades além da compreensão não se calcam na mente dos homens e quando Dakota pisca uma vez mais do que deveria – ele vê, pelo que parece ser a primeira vez em toda sua vida.

Uma criatura que se esconde na penumbra, presença se arrastando de forma lânguida pela escuridão, despreocupada, sem pressa, certa de si e de sua imponência. Algo dentro do híbrido se sente esmagado diante a presença; perante os olhos de aberturas finas mas uma profundidade intangível de conhecimento, diante do corpo que se alastra metros acima e a frente sem sinal de fim e em frente a forma ancestral que antes rastejava em sua sombra, como uma lembrança distante, e agora erguia-se para nunca mais ser esquecida.

Mas há algo de errado. São talões, chifres e são escamas, todos brilhando como fagulhas distantes – mas não reluzindo. Algo se espelha, ali e em todo lugar, e reflete algo além. Algo que faz suas dimensões deformarem, alongando de uma forma tão imperceptivelmente anormal que a descendência dracônica de Nova é a única coisa que o permite perceber; como sinos soando atrás de seus tímpanos, algo em seu âmago o alerta. Não é o reconhecimento de outro – um semelhante que ainda se sobressai superior – mas sim a angústia em frente aquilo que não consegue explicar. Fala de perigo e do desconhecido em frente a um talhe que deveria soletrar familiaridade.

Os fantasmas que moram em seus ossos se agitam. Seu coração palpita.

A criatura é um dragão – ou, pelo menos, tem a forma de um. Veste de forma nua e crua a nobreza que os seres carregam. Mas aquilo que o mancha é tão fundamental que marca sua base, sua essência, e distorce sua verdade.

Alguma parte de Dakota se sente mais ofendida do que amedrontada com o fato (o que, apenas o que teria a audácia de encobrir-se em uma mentira como esta? E em frente a Dakota, ainda por cima? Como se seu sangue não fosse borbulhar com o orgulho quase genético de sua raça?), a única parte de si que não está coibida de qualquer ação em prol de pintar uma imagem estática; então, ele nem ao menos percebe quando fala. Só sente o ar quente e úmido que toca seus lábios e ouve, como um suspiro ao vento, a própria voz:

"O que você é?" Sua voz tende a incredulidade, mas não em descrença, não em pavor. Em desavença. Em afronta.

Dakota se surpreende consigo mesmo; com o quão grande realmente é a assombração em si. Com o quanto fala por ele.

A criatura, entretanto, não está surpresa. Parte de sua impureza se demonstra, aí – pois ela sorri, e quando sorri, é de uma natureza nefariamente cativante. Algo vil puxa os cantos de seu sorriso, o deixa uma coisa feita de dentes e pontas e pequenos ecos de gengiva, regatos de soberba se acumulando como saliva.

O branco se parte e a magia se quebra. As palavras parecem se moldar no espaço entre Dakota e a besta, pesando o ar:

"Você não faz as perguntas certas," Soa, quase como se repreendesse uma criança inocente, "Você procura respostas amplas demais."

Dakota ouve, além da cálida repreensão, ofensa, e sente sua pele ficar rubra, calor tocando suas bochechas e caindo sobre seu pescoço e seu peito como uma cascata. Ele reza que seu encontro não fosse com as Moirai, limitando-o a três respostas, e reformula sua pergunta:

"Quem é você, então?" Há uma nota, no timbre de sua voz, que é um jogo perigoso. Dó, ré, mi, fá, uma pausa; desdém.

Apesar disso, ou talvez mesmo por causa disso, a criatura parece se acatar. Satisfeita, mas não o suficiente para abandonar sua dogma de mistério e ardileza, ela diz:

"Quando você se pergunta isso, qual é a resposta?"

E há algo aí. Enterrado na frase, e a cada palavra ficando mais próximo a superfície.

Dakota não quer saber o que é. Sua garganta fecha, sua pele umedece com suor, o filme passando atrás de suas retinas emperra, seus músculos fraquejam. Seu corpo inteiro parece entender, mas ele se recusa a reconhecer sua existência. Se recusa a admitir sua veracidade.

"Só me responda." Ele diz, tornando a falar como uma aversa maneira de distração e um empurrão para avançar o diálogo, tudo de uma vez só. Ao invés disso, sua voz treme, o som falha e com ele traz abaixo a pretensão que arriscou construir.

A criatura volta a falar, mas dessa vez com um tom arrulhado que raspa os ouvidos de Dakota. É algo tão profundamente mordaz que o homem se sente sangrar contra quaisquer impossibilidades físicas, o ondular e gotejar do líquido quente se misturando a voz que diz:

"Estou tentando."

Dakota definitivamente está enlouquecendo.

"Quem é você?"

"Me dê um nome, e eu serei ele."

"E se não der?"

"Então eu nomearei a mim mesmo. E eu serei eu mesmo."

"E quanto a mim?"

"Se você for um bom menino, talvez deixe você assistir."

"Oh, Drakos, livra-me de meus pecados."

"Não ore por outro. Se há de orar, que seja por mim."

"O que quer com isso?"

"Que me veja."

"Já te vejo."

"Não, não vê. Apenas finge que vê. Usa a escuridão de desculpa, e se esconde atrás de suas pálpebras. Pensa em como vai acordar a qualquer momento, e terá tudo sido um pesadelo. Mas não me percebe. Não de verdade."

"Como assim? Meus olhos estão abertos. O que mais quer?"

"Que entenda. Que perceba."

"Entender o que? Perceber o que?"

"Já te disse. Não é a pergunta certa. Por que não faz a pergunta certa?"

"Por que não me dá a resposta certa?"

"Você já a tem. Sempre teve."

"Onde?"

"Mais perto do que imagina."


Ele esculpe um lugar para si dentro de sua coluna, uma curva sinuosa de tensão pesada que deixa seus músculos tensos e sua mente agitada.